PSB na História:...e o último caudilho gaúcho era socialista!

20/04/2022 (Atualizado em 22/04/2022 | 13:11)

No final da vida, o general de guerra, Flores da Cunha, surpreendeu seus aliados e adversários ao se declarar socialista

reprodução As Cinco Tumbas de Gumersindo Saraiva
reprodução As Cinco Tumbas de Gumersindo Saraiva

José Antônio Flores da Cunha nasceu em berço castilhista. Seus pais eram radicais positivistas e chegaram até mesmo a cortar relações com familiares e vizinhos que expressavam qualquer mínima simpatia pela causa federalista, ou maragata, como ficou popularmente conhecida toda e qualquer oposição ao Partido Republicano Riograndense.

 

E, no decorrer de sua vida, literalmente lutou por essa ideologia política que implantou a ditadura militar no Brasil (Marechal Deodoro da Fonseca e Marechal Floriano Peixoto) e a ditadura “científica” no Rio Grande do Sul (Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros e Getúlio Vargas).

 

Foi o grande chefe militar da Revolução de 1923, o único guerreiro legalista que conseguia se impor a um dos maiores generais maragatos, Honório Lemes e, simplesmente, o maior chefe militar da Revolução de 30, tomando praticamente com as mãos limpas o QG da 3ª Região Militar na Rua da Praia, em Porto Alegre ( 3 de outubro de 1930 ).

Depois, com a queda da Washington Luiz, seus filhos e oficiais amarraram seus cavalos no obelisco carioca ( 24 de outubro de 1930 ) e, logo depois, foi nomeado para o Palácio Piratini. Como governador, foi considerado um dos melhores de todos os tempos, proporcionando um período de prosperidade nunca visto no Rio Grande do Sul.

 

Foi também o grande opositor de seu ex-amigo e antigo aliado político, Getúlio Vargas, quando este implantou o Estado-Novo e, junto, um dos períodos de exceção mais sanguinários da história brasileira, entre 1937 a 1945. Posição que lhe custou anos de exílio no Uruguai e outros como preso político no Presídio da Ilha Grande, onde Vargas punia seus desafetos e adversários políticos. Com a queda de Vargas, em 1945, foi eleito deputado federal e reeleito várias vezes. É, até hoje, é considerado o melhor orador da história do Parlamento brasileiro. 


Em síntese, o velho general Flores da Cunha havia se tornado uma lenda viva.

 

Tanto que, em seu último discurso, realizado seis meses antes de morrer, no mesmo quartel que invadiu na Rua da Praia em 1930, recebeu a Comenda do Mérito Militar, a maior honraria do Exército dada para um guerreiro que conquistou seu posto ( e fama) nos campos de batalha.

 

Conta a História que o velho general chegou à recepção já bastante fraco e abatido com a doença que o matou. Porém, ao iniciar sentado o discurso de agradecimento, foi pouco a pouco se emocionando, chegando ao seu final já de pé e com a voz de um jovem tribuno brandindo com paixão. Ou melhor, era só emoção:

 

- “Sou um cavalariano de vocação, um soldado amador que foi aprender nas nossas desgraças e ingratas lutas fratricidas os rudimentos da arte militar. Foi em animi vili, debaixo de fogo, levando chumbo no couro, que adquiri os conhecimentos necessários para comandar uma tropa de mais de dois mil homens em guerra irregular. Toda esta tropa composta de voluntários e idealistas, que mais combatiam por ideal partidário que pelo dever de soldado.

Hoje, alquebrado e quase octogenário, chego ao fim da minha jornada recebendo esta honrosa insígnia, um prêmio para um homem que dedicou mais de sessenta anos de sua vida à causa pública. Chego ao fim da jornada com a cabeça inclinada sobre um coração desfalecente, enfraquecido, e com as narinas dilatadas ao aspirar o perfume sutil da saudade que embalsa os últimos dias da minha vida”.

 

Foi aplaudido de pé por muito, mas muito tempo mesmo. Ovacionado, para o bem da verdade.

 

Flores ainda iria surpreender seus amigos e inimigos antes da morte. Em sua última entrevista dada ao jornal Correio do Povo, admitiu que, “se mais jovem fosse, iria abraçar a causa socialista, para uma justiça social mais efetiva, assim como a religião católica, para cuidar mais de minha alma”, confessou.

 

José Antônio Flores da Cunha faleceu, às 5 da tarde, do dia 4 de novembro de 1959, em Porto Alegre. Tinha 79 anos. Com ele, morreu junto o último caudilho gaúcho, o último general da lendária cavalaria rio-grandense.

 

*Baseado em trecho do livro “As Cinco Tumbas de Gumersindo Saraiva e outras histórias de guerras gaúchas, do jornalista Ricardo Ritzel,  Editora Martins Livreiro, 2021, 209 páginas.




Revolução de 1923O general José Antônio Flores da Cunha foi o grande guerreiro da Revolução de 1923, mas também soube ser humano com seus prisioneiros e não permitiu a degola. Na fotografia, Flores (de barba) na Gare de Santa Maria. Ele está entre Nepomuceno Saraiva (esquerda) e o Tenente T. Cunha (direita).     



Clique aqui e escute trechos da entrevista do general Flores da Cunha feita em maio de 1959 para Rádio Universidade da UFRGS.   


 

Fonte: Assessoria de Comunicação do PSB-RS