Voto aos 16 anos é coisa de socialista

29/03/2022 (Atualizado em 29/03/2022 | 12:54)

Foto: Memorial da Democracia
Foto: Memorial da Democracia


Anitta, Juliette, Zeca Pagodinho, Whindersson Nunes e Luísa Sonza integram a lista de artistas que iniciaram uma campanha nas redes sociais para incentivar jovens de 16 e 17 anos a tirarem o título de eleitor. Isso porque em fevereiro o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registrou o menor número de adolescentes com o documento.

“Os jovens de hoje não acreditam na democracia porque ela não entrega o que promete. Por isso, essa nova geração não acredita que é a democracia que vai garantir uma nação com justiça social.” Essa é a avaliação do ex-deputado federal constituinte, Hermes Zaneti, autor da proposta que garantiu o direito ao voto a partir dos 16 anos.

O Socialismo Criativo conversou com Zaneti sobre a história do direito ao voto e como essa iniciativa da Assembleia Constituinte de 1988 mudou a história da democracia brasileira. Para ele, é urgente mobilizar a juventude e mostrar a força do voto para mudar os rumos do país.

Para Zaneti, conversar com os adolescentes sobre a importância do voto é fundamental e fortalecer a juventude dentro dos partidos políticos também. Atualmente no PSB, o ex-deputado elogiou a iniciativa da Autorreforma do partido e disse que movimentos assim são essenciais para ampliar a democracia. E ressaltou que a autocrítica contribui para que os jovens voltem a acreditar no processo democrático.

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Breve histórico

Com forte mobilização nacional e participação de estudantes, que lotaram a Assembleia Nacional há 34 anos, o direito ao voto a partir dos 16 anos foi conquistado no dia 02 de março de 1988.

Houve uma forte campanha e muita pressão de parlamentares até a vitória definitiva com 355 votos a favor, 98 contrários e 38 abstenções.

O Brasil saia de um longo período de ditadura militar e havia forte participação da juventude. A emenda de Hernes Zaneti garantiu também que o voto fosse obrigatório para adultos a partir de 18 anos e facultativo para menores de 16 anos e maiores de 70 anos.

Hermes Zaneti foi o deputado federal constituinte que propôs o direito do voto a partir dos 16 anos. Foto: Carol Ferraz

Confira a íntegra da entrevista com Hermes Zaneti

S.C: Como começou a luta para garantir o direito de voto aos jovens a partir dos 16 anos?

Zaneti: Eu era diretor da Organização Mundial de Professores, com sede em Morges, na Suíça entre os anos 1982 e 1984. E nessa época um dos principais debates em que me envolvia era em como poderíamos contribuir para combater os regimes ditatoriais que avançavam sobre a América do Sul. Então, comecei a defender a ideia de que nós, como educadores, poderíamos estabelecer uma conexão com as famílias a partir do diálogo com a juventude. Não uma conexão partidária, mas política. Estabelecer uma ponte para discutir as candidaturas. A partir dessas reflexões, em 1985 eu, já deputado federal pelo Rio Grande do Sul, entrei com uma proposta de emenda a Constituição vigente à época para garantir o voto dos jovens. Era a Emenda Constitucional número 19, mas não conseguimos aprovar. Não desisti e quando iniciamos a campanha para minha reeleição como deputado federal fiz questão de garantir que haveria coerência com o que eu dizia na campanha e com o que eu faria como constituinte. Foi aí que fiz a Cartilha Constituinte, onde publiquei como seriam cada um dos meus votos para a nova Constituição e um dos itens era o voto entre 16 e 18 anos.

Zaneti com o filho que tinha 16 anos à época e tirou o título de eleitor. Hoje ele é professor universitário. Foto: Arquivo Pessoal

SC: Nessa nova fase, a proposta de voto a partir dos 16 anos, antes já rejeitada, foi bem recebida pelos deputados e senadores constituintes?

Zaneti: Na verdade não. Foi justamente um dos temas de maior conflito porque muitos eram contra, principalmente os mais conservadores. O deputado José Lourenço, que era líder do PFL (atual Democratas), surgiu na frente das câmeras rasgando o texto do projeto da constituição e discursando contra o voto aos 16 anos. Logo depois, o então ministro do Exército do governo Sarney, Leônidas Pires Gonçalves, chamou uma coletiva de imprensa para dizer que que a emenda do voto aos 16 anos era uma tentativa de transformar a corrupção em uma ‘corrupção dos pirulitos” (risos) Após essa entrevista dele, eu fui à tribuna e disse a ele que eu tinha três argumentos para responder a declaração dele. O primeiro era que naquela época um jovem de 12 anos podia trabalhar. Por que ele não poderia escolher quem decide sobre o salário dele? Em segundo lugar, um jovem de 16 anos já está no ensino médio e é perfeitamente capaz de debater com professores, pais e colegas, logo está apto a debater para decidir em quem votar, até porque o voto não é uma decisão impetuosa, existe toda a campanha política para que os eleitores conheçam o candidato e possam escolher. E, por último, se existe uma pessoa nesse país que não tem o direito de criticar o direito de voto aos 16 anos, essa pessoa é o general Leônidas Pires Gonçalves. Afinal, um jovem de 16 anos pode se filiar a um partido político e pode se alistar para servir o Exército em caso de guerra. E perguntei: se um jovem pode morrer para defender o Brasil porque não pode votar para eleger o presidente que declara ou não uma guerra? Fui extremamente aplaudido após dar essa resposta e quando desci da tribuna o assessor do ministro veio até mim e disse: ‘o ministro disse que não vai mais interferir nesse assunto’ e eu respondi: acho bom! (risos)

S.C: E como foi o dia 02 de março de 1988, o dia em que finalmente a emenda foi aprovada?

Zaneti: Quando chegou o dia de apresentar e defender o texto final combinei com o (Mário) Covas, que era nosso líder, que eu iria defender a emenda em 15 minutos. Foi aí que o Haroldo Lima (deputado constituinte pelo PCdoB da Bahia) veio até mim e disse que eu deveria dividir minha fala com o senador Afonso Arinos, que era do PFL e o mais velho dos constituintes. Primeiro, achei estranho porque achei que ele seria contra a emenda, mas Haroldo me disse que era a favor e topei. Fiz como combinado e falei por sete minutos e meio e chamei o senador Arinos que subiu à tribuna e disse apenas: a mais grave crise do Império foi resolvida com a declaração de maioridade de Dom Pedro II aos 15 ano de idade. Todos aplaudiram muito. Havia muita mobilização estudantil e o texto foi aprovado. Eu me emociono até hoje ao lembrar. (Silêncio)

S.C: Foi, sem dúvidas, uma vitória memorável que contou com forte mobilização popular e mudou a história da democracia brasileira. No entanto, não existe muita divulgação da sua atuação como autor da emenda. Há uma razão para isso?

Zaneti: Primeiro, eu sou um político de projetos. Eu luto por propostas, por causas em que acredito e essa é uma causa que defendo como professor, como educador e por acreditar na necessidade de fortalecer a Democracia. À época houve grande divulgação da imprensa, mas com alguns equívocos. Em um episódio do programa Bom Dia Brasil, da Rede Globo, o Aécio Neves foi convidado para falar sobre o tema e foi apontado como autor da emenda. Quando voltou ao plenário todos ficaram em um silêncio constrangedor e ele veio até mim se desculpar, então pedi a ele que voltasse a falar com a Rede Globo e dissesse que eu era o autor da emenda. Claro que ele não fez isso, né? (risos) Depois de um tempo ele voltou a falar que era o autor da proposta em um programa eleitoral. Foi aí que eu chamei o Marcelo Cordeiro, que era secretário da Assembleia Constituinte e pedi que a gente organizasse toda a documentação. Reuni certidão, fotos e tudo. Disse a ele que se continuasse eu denunciaria a apropriação da ideia. Eles pararam. É isso, a derrota é órfã, mas as vitórias tem muitos pais.

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S.C: Como é perceber hoje um desinteresse tão grande entre os jovens que tem entre 16 e 18 anos em tirar o Título de Eleitor e votar?

Zaneti: Eu tenho um livro publicado chamado Complô (2017), que já está na segunda edição, em que pergunto: Por que as democracias morrem? Porque não entregam o que prometem! Os discursos das campanhas não orientam os mandatos. Depois de eleitos os políticos não têm o compromisso com a população que os elegeu e sim com os interesses das corporações que financiaram as campanhas. Como explicar que desde 1988 o número de favelas no Brasil dobrou? Como isso é possível após uma constituição que está estrutura na justiça social?

S.C: Isso gera uma desilusão para essa nova geração? Porque os jovens não procuram o TSE para fazer o título?

Zaneti: Exatamente. Os jovens de hoje não acreditam no processo democrático para construir uma nação com justiça social. Isso é compreensível, mas o que eu digo aos jovens é que não pensem que isso é por acaso. Isso é um projeto, um projeto internacional que quer o exportar o estômago e o coração do Brasil. O coração são os minérios e o estômago é o agronegócio. Uma realidade muito triste, então o que digo é, se vocês não participam outros participam e esses projetos de destruição ganham forças.

S.C: Há uma forte mobilização nas redes sociais de artistas engajados a incentivarem esses jovens a votar. O que mais pode ser feito para aumentar esse engajamento? Há esperanças?

Zaneti: Estou feliz ao acompanhar a mobilização dos artistas, o que evidencia a importância da democracia brasileira. E acho que existe uma necessidade grande de dialogar com os jovens sobre o assunto, seja uma iniciativa pessoal ou institucional. Os partidos podem investir em suas juventudes. Nesse momento, o PSB por exemplo trabalha em sua Autorreforma, conduzida pelo companheiro e meu colega de Constituinte, Domingos Leonelli, onde consta a importância da juventude na política. O processo tem ampla participação da militância e eu acredito muito na militância do PSB. A Autorreforma é o caminho para enfrentar uma estrutura forte e dominadora.


Fonte: Socialismo Criativo