Marielle: 4 anos de um crime sem solução

14/03/2022 (Atualizado em 14/03/2022 | 16:13)

Há quatro anos o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) permanece sem solução. Arte: Socialismo Criativo.
Há quatro anos o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) permanece sem solução. Arte: Socialismo Criativo.


Os assassinatos da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes completam 4 anos nesta segunda-feira (14) sem que se saiba quem são os mandantes do crime. Ao longo desse tempo, houve troca-troca no comando das investigações. As investigações foram marcadas por tentativas de obstrução, pistas falsas e frequentes trocas no comando do inquérito, observadas com preocupação pela família e instituições de defesa dos direitos humanos. Três grupos diferentes de promotores ficaram à frente do caso no Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ). Na Polícia Civil, Apenas no último ano, dois delegados já estiveram à frente da apuração. O quinto delegado assumiu há pouco mais de um mês.

Familiares e amigos da vereadora e do motorista fizeram pela manhã, em frente à Câmara Municipal, um ato para marcar os quatro anos dos assassinatos e também para cobrar soluções das autoridades.

Logo cedo, uma faixa com a pergunta “Quem mandou matar Marielle?” também foi estendida em frente ao Palácio Pedro Ernesto, sede da câmara. Além disso, os parentes e amigos fizeram, também na manhã desta segunda, uma missa em memória das duas vítimas.

Visita ao governador

O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL-RJ), recebeu na tarde desta segunda-feira (14), na sede do governo do Rio, representantes do Comitê Justiça por Marielle e Anderson, que mantém uma rotina frequente de cobranças às autoridades fluminenses por respostas quanto à execução da vereadora e do motorista, há quatro anos. O grupo inclui o Instituto Marielle Franco, fundado pela família da parlamentar.

O encontro foi solicitado ao gabinete do governador, por e-mail, em 8 de fevereiro, tendo em vista que o crime brutal faz aniversário hoje, 14 de março. A equipe de Castro acusou o recebimento da mensagem na data da solicitação, mas demorou exatos 30 dias até atender a demanda.

A brecha na agenda do chefe do Executivo estadual só apareceu na quinta-feira passada, após insistência do comitê, que reiterou o pedido em 21 de fevereiro, e de um questionamento sobre a demora enviado pela coluna à administração de Castro.

No sábado (12), o governador do Rio, Cláudio Castro, disse que tem cobrado as autoridades policiais sobre o caso. “A Polícia continua investigando. Não me meto em investigação, eu cobro resultado”, afirmou

MP-RJ ouve novos depoimentos e reexamina celulares

O Ministério Público do Rio (MP-RJ) também está ouvindo novos depoimentos e reexaminando, com tecnologia mais moderna, os celulares aprendidos nas apurações. O objetivo é chegar ao mandante ou mandantes do duplo homicídio, ainda investigado como crime político.

Nas oitivas, são interrogadas pessoas da família e outras que trabalhavam com a vereadora. O policial militar reformado Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio de Queiroz estão presos há três anos, acusados de serem os executores do crime. O julgamento não foi marcado.

O coordenador do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco/MP-RJ), Bruno Gangoni, disse que os celulares são analisados com tecnologia de recuperação de mensagens. Segundo Gangoni, a hipótese de crime político só será confirmada quando o mandante for preso. Até agora, não há indicio da participação de milícias no duplo homicídio.

“Temos revisitado todo o material produzido ao longo da investigação. As provas dessa investigação são muito digitais; os softwares hoje têm capacidade tecnológica muito maior do que na época em que os aparelhos foram apreendidos. Todos estão sendo reavaliados na tentativa de conseguirmos encontrar novas mensagens.” Bruno Gangoni

O Ministério Público avalia também novas informações enviadas pelo Google e aguarda dados do Facebook. O MP quer saber quem acessou a página de Marielle para consultar sua agenda. Postada na semana do crime, ela trazia detalhes sobre a palestra na Casa das Pretas. Após sair do evento, o carro em que iam Marielle e Anderson foi emboscado.

Sob escolta

A dificuldade para identificar os mandantes torna cada vez maior o risco para a atuação de mulheres na política, sobretudo as negras, afirmou a deputada estadual Renata Souza (PSOL). Para ela, a morte da vereadora foi um “feminicídio político”. Renata circula com seguranças. O mesmo ocorre com outras parlamentares negras que receberam ameaças de morte.

“O conceito de feminicídio político surge após o assassinato de Marielle Franco como um conceito quase que existencial”, disse. “Estou falando de mulheres que estão na linha de frente da política, que sofrem um processo de violência política constante, que pode chegar a um feminicídio político. Isso é muito sério.”

Primeira vereadora trans da Câmara Municipal de São Paulo, Érika Hilton (PSOL) afirmou na CPI da Violência Contra Pessoas Trans e Travestis, na quinta-feira, que foi ameaçada de morte várias vezes. Como Renata, vive sob escolta. Outra vereadora trans, Benny Briolly (PSOL), de Niterói, na Região Metropolitana do Rio, sofreu três ameaças de morte.

A deputada federal Talíria Petrone (PSOL), que era amiga de Marielle, precisou sair do Rio por causa de ameaças. Para ela, a demora na resolução do crime expõe a “fragilidade da democracia brasileira”. “Enquanto não temos resposta a essa execução política, os casos de violência contra nós só aumentam”, disse.

“Além de termos que lidar com as dificuldades inerentes a uma sociedade fundamentada no racismo estrutural, também corremos o risco de não podermos exercer o mandato para o qual fomos eleitas”, afirmou. “Não podemos perder mais nenhuma de nós e não queremos entrar para a história como mártires.”

1460 dias sem resspostas

Vereadora de primeiro mandato e atuante em causas sociais, especialmente na luta antirracista e na promoção de pautas feministas e LGBTQ, Marielle foi morta quando tinha 38 anos e logo se transformou, tragicamente, num símbolo internacional.

Na noite de 14 de março de 2018, ela deixou um debate na Casa das Pretas, no centro do Rio, e pouco tempo depois seu veículo foi emboscado por atiradores no bairro do Estácio, também na região central do Rio. Ela e o motorista, Anderson Gomes, morreram no local.

Dois suspeitos de executarem o assassinato foram presos em 2019: o policial reformado Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio de Queiroz, acusados de envolvimento com milícia. A investigação apontou que Lessa teria efetuado os disparos, enquanto Queiroz teria conduzido o veículo que seguiu Marielle. Nenhum dos dois foi julgado até o momento.

Mandantes e motivos do crime seguem sem esclarecimentos. Uma série de políticos do Rio de Janeiro figuraram como suspeitos de terem ordenado o assassinato, como o vereador Marcelo Siciliano (PHS), o ex-vereador Cristiano Girão e o ex-deputado Domingos Brazão, conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Todos negam qualquer envolvimento.

Fonte: Socialismo Criativo