50 anos de consciência negra: a luta socialista contra o racismo

22/11/2021 (Atualizado em 22/11/2021 | 10:31)

O Dia da Consciência Negra surgiu pela inquietação do escritor e intelectual gaúcho Oliveira Silveira, que há 50 anos reivindicou o 20 de novembro, dia da morte de Zumbi dos Palmares, como data de celebração da Consciência Negra no Brasil, em contraposição ao 13 de Maio.

O encontro ocorrido em novembro de 1971, confundido com uma peça teatral por agentes da censura militar, teve entre as atividades a apresentação da pesquisa sobre o Quilombo dos Palmares e a leitura de textos de Castro Alves e Solano Trindade. “A partir desse dia, abriu-se uma perspectiva para entender e exaltar a riqueza do povo negro no Brasil”, comenta Sátira Machado, professora de literatura na Universidade Federal do Pampa e pesquisadora da obra de Oliveira Silveira.

A rejeição ao 13 de maio surgiu de movimentos distintos. Na transição do ensino médio para a faculdade de letras, onde estudou português e francês, Oliveira Silveira leu autores como o senegalês Léopold Sedar Senghor e o franco-caribenho Aimée Césaire, expoentes do movimento francês Négritude. Posteriormente, Silveira aprofundou a pesquisa sobre o Quilombo dos Palmares a partir dos livros de Edison Carneiro e Ernesto Ennes.

Essa amálgama fez com que Silveira, juntamente com seus pares, buscasse na história do Brasil datas que pudessem celebrar os negros para além da escravidão. Antes mesmo do evento sobre o 20 de novembro, o grupo Palmares celebrou ao longo de 1971 a trajetória de figuras como Luiz Gama e José do Patrocínio.

Mas foi a partir da reivindicação em torno de Zumbi e seu quilombo que a fagulha do 20 de novembro se espalhou pelo país. Entrevistas e artigos sobre o tema foram publicados na imprensa. Cartas do acervo de Oliveira Silveira mostram que a iniciativa teve a adesão e interesse de intelectuais como Abdias do Nascimento, Beatriz do Nascimento, Oswaldo de Camargo, entre outros.

A promoção da data também ganhou o apoio de organizações inseridas na luta contra o racismo, como o IPCN (Instituto de Pesquisas e Culturas Negras), o Cecan (Centro de Cultura e Arte Negra de São Paulo) e o MNU (Movimento Negro Unificado), lançado em julho de 1978. Em meio à ditadura, a atuação dos grupos em torno da luta racial foi observada de perto pelos militares.

A data da morte de Zumbi virou Dia da Consciência Negra apenas em 2011. Algumas capitais decretam feriado. Não é o caso de Porto Alegre. “A história começou aqui, em uma cidade onde o imaginário popular acredita não haver negros”, diz Naiara Silveira, filha de Oliveira Silveira. “Fomos marginalizados pelo racismo estrutural. Trazer à tona o acervo do meu pai é uma forma de seguir reivindicando nosso espaço na história.”

Resistência em tempos de guerra

Combater a classe dominante branca exploradora, racista e seu Estado reacionário é uma tarefa central do socialismo. Estes alcançaram os confortos da burguesia ou da pequena-burguesia, e passaram a atacar os movimentos negros que combatem a prática da caridade, via ONGs ou coletivos, que se constituem em instrumentos de cooptação de parcela de negros para o mundo do capitalismo decadente. O Estado reacionário interessado nos valores burgueses ou pequeno-burgueses são um obstáculo à luta emancipatória da maioria esmagadora do povo negro. A luta contra o racismo, a exploração de classe, está exclusivamente nas mãos da grande maioria negra oprimida e explorada.

O Movimento Negro Socialista, constituído em 13 de maio de 2006 como um comitê permanente de socialistas contra o racismo e o racialismo, teve como propósito desde sua fundação ajudar os negros a se organizarem para combater o racismo e a exploração de classe, tarefa que se agiganta com a eleição do reacionário Bolsonaro.

A vitória de Bolsonaro, em outubro, com seu programa de ampliação dos planos de austeridade e a difusão de valores reacionários como o racismo, machismo, homofobia, exigirá do proletariado, e entre estes, os negros, uma elevação de sua organização enquanto classe para travar o combate e para se defender.

Ao se falar em “pobres” no Brasil, automaticamente estamos falando, também, da maioria da população negra, que será a mais prejudicada pelas políticas recessivas anunciadas pelo governo, que atingirão em cheio os serviços públicos – previdência, saúde, educação – como o que já ocorre com o congelamento de gastos públicos.

Para colocar em prática todas as medidas anunciadas pelo seu super ministro Paulo Guedes, Bolsonaro será obrigado a usar todo o aparato repressivo do Estado como a polícia, o judiciário, e outros para sufocar qualquer movimento da classe trabalhadora e das massas contra seus planos de austeridade. A pretensão de Bolsonaro é sufocar a luta de classes por meios policiais. Isso aumentará de maneira substancial a violência contra a população negra e com certeza enfrentará uma enorme resistência da classe trabalhadora, incluindo nessa massa uma grande parte de seus iludidos eleitores.

A vitória de Bolsonaro foi o enterro da Nova República, do pacto social efetivado com a Constituição de 1988 e da democracia burguesa que sustenta o sistema de exploração de classe. Uma grande parte das massas, onde estão incluídos os negros, deixou claro que pouco lhe importa esse sistema que só fez até agora piorar suas vidas e ampliar seu sofrimento e a angústia permanentemente.

A campanha eleitoral e o resultado das eleições demonstram de forma inequívoca que a negação da luta de classes como um dos pilares centrais da luta antirracista, posição esta defendida por vários segmentos do movimento negro adaptado, contribui para “despolitizar” nossas lutas, confinando-as nas bolhas dos pós-modernistas, principalmente dentro das universidades, alimentando entre a vanguarda a ilusão de que poderiam ser incluídos neste sistema e nesta ordem como empreendedores, a nova nomenclatura para capitalismo.

Aos trabalhadores negros estão reservados os piores empregos.  Existe um número insignificante de negros que conseguem sair dessa situação. A aplicação das políticas sociais compensatórias dos últimos governos não mudou em nada essa situação. O Brasil é o segundo país do mundo em população negra, ficando atrás somente da Nigéria. Mais de 51% da população são esmagados pela pobreza e pela violência do racismo através da discriminação e dos preconceitos, que naturaliza a violência oficial do Estado via seus aparatos repressivos, especialistas em assassinar jovens negros e pobres (são mais de 63 mil mortos a bala por ano no Brasil, a maioria sendo jovens, homens e negros).

A repressão policial, em particular os assassinatos cometidos nas “incursões” nos bairros operários de São Paulo e Rio, sempre tem jovens negros mortos como consequência. A política integracionista ao sistema e à ordem, que tem muitos adeptos no meio universitário e acadêmico, faliu definitivamente, pois o sistema capitalista nesta sua fase de apodrecimento necessita cada vez mais excluir milhões e dividir a classe trabalhadora para continuar a garantir a manutenção da taxa de lucro dos banqueiros e das grandes corporações, assim como os privilégios da exploração de classe.

A tarefa central para o próximo período para a população negra e para a luta antirracista é estar junto à classe trabalhadora, aos sindicatos, aos movimentos populares no combate contra este governo e ao que ele defende e representa, ou seja, o capitalismo.  Nessa dinâmica vigorosa da luta de classes, como trabalhadores, devemos ter como perspectiva a construção de um partido, de fato, dos trabalhadores, que se coloque claramente como um partido da revolução socialista, onde a classe trabalhadora negra e sua juventude se sinta representada e seja protagonista.

A Autorreforma do PSB e a negritude

Autorreforma do PSB destaca que o Brasil foi o último país a abolir oficialmente a escravidão e é o primeiro em população afrodescendente fora do continente africano. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 54% dos brasileiros são negros ou pardos, ficando atrás, em quantidade, somente da população da Nigéria. A despeito dessa constatação demográfica, o Brasil ainda está longe de ser uma democracia racial.

Os dados do Mapa da Violência de 2019 e uma série de estudos da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), que analisa as taxas de mortalidade dos municípios brasileiros, demonstram que ter a pele escura, no Brasil, é sinônimo de redução da expectativa de vida, pois 75% das vítimas de homicídio eram pessoas negras.

“A relação da população negra com a violência se dá por meio dos estereótipos criados sobre o lugar onde esses indivíduos vivem e suas condições socioeconômicas.”
Autorreforma do PSB

Ao fazer um recorte de gênero e raça, na estrutura do sistema tributário vigente, percebe-se que, proporcionalmente à renda, são as mulheres negras pobres que mais pagam impostos e as que recebem os menores salários.

O PSB é solidário e copartícipe – por meio de suas instâncias partidárias, e que tem na Negritude Socialista seu principal porta-voz – das demandas dos movimentos negros que não se restringem à questão racial, mas também se relacionam com problemas sociais, econômicos e culturais, que incidem sobre a população negra.

Ações afirmativas para população negra

Os socialistas entendem que as ações afirmativas e compensatórias precisam ser aprimoradas para garantir a permanência da população negra nas instituições públicas de ensino. O PSB defende que isso seja feito por meio de programas de acompanhamento social e apoio à alimentação, moradia, acesso a livros e transporte, para que a lei de cotas seja efetiva. 

“A falta de representatividade negra, nos espaços de poder, é um fator que contribui fortemente para manter essa população na base da pirâmide social, com os piores postos de trabalho, a média salarial mais baixa, e vivendo sob as condições mais vulneráveis no que se refere à saúde, segurança e educação.”
Autorreforma do PSB

O PSB ressalta a necessidade do aumento da representação dos negros e negras nos poderes executivo, legislativo e judiciário, e, nos demais espaços de poder, deve superar a afirmação meramente casual e se converter em ações concretas.

O partido destaca a necessidade de ajustes para a plena aplicação das leis que expressam o espírito compensatório, como o Estatuto da Igualdade Racial, que determina o ensino da história afro-brasileira nas escolas, o decreto que regulamenta o reconhecimento e a demarcação de terras ocupadas por descendentes de quilombolas, e a proibição de diferenças de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivo de raça. 

Os socialistas também advogam pela correta observação da Lei Complementar 150, que regula o emprego doméstico e o fim dos autos de resistência, no qual a morte de um suspeito é justificada pela sua resistência ao ser preso, sem que a necessária autópsia seja feita no caso de morte envolvendo agentes de Estado. 

Fonte: Socialismo Criativo