Autor: Domingos Leonelli
Secretário nacional de Formação Política do PSB
A entrevista do ministro Fernando Haddad à Folha de São Paulo dia 17 de outubro representa uma das mais significativas autocríticas já feitas por um dirigente petista do alto escalão do governo.
Corajosamente, Haddad afirma que a “esquerda brasileira está devendo um sonho à sociedade”. Recoloca a questão da primazia da política acima das questões técnicas e administrativas quando define o exercício da própria politica enquanto promessa.
Embora não diga explicitamente, deixa a entender que falta à esquerda e também ao governo um projeto nacional de desenvolvimento. Um projeto cujo maior obstáculo seria o mercado financeiro que quer o Brasil como país de segunda categoria exportando comodities e gerando lucros estratosféricos para ele próprio.
Claro que Fernando Haddad não leu o meu artigo “ Faltam Slogans a Lula e Boulos” em que me refiro a ausência de um Projeto Nacional de Desenvolvimentoao País e de um Projeto de Cidade na campanha de Guilherme Boulos à prefeitura de São Paulo, mas mesmo assim fico honrado com a coincidência de pensamentos. Faltam slogans porque os projetos políticos globalizantes foram substituídos pelos programas pontuais e pelo atendimento a reinvindicações fragmentadas de segmentos da sociedade ou grupos identitários.Todos importantes mas insuficientes como reconhece o próprio Haddad.
Essa insuficiência de projetos é que leva as agências de marketing e propaganda a se limitarem às indicações das pesquisas de opinião sobre reivindicações especificas da população: saúde, educação, cultura, segurança.
Nenhuma dúvida de que o povo quer tudo isso. Mas quer muito mais. Precisa de um sonho, de uma grande meta, de um objetivo maior.
E foi nesse vazio de projeto nacional que a ultradireita entrou com seu projeto/slogan “ Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” propondo um sonho autoritário de País sem corrupção, sem ideologia de gênero, sem “partido nas escolas”, com policias matadoras de bandidos, com criminalização da diversidade sexual e outros conceitos puramente ideológicos. Essa definição de projeto nacional foi atualizada pela teologia da prosperidade defendida por Pablo Marçal que preenche, de forma grotesca e caricatural, é verdade, outra lacuna deixada pela esquerda, a profunda mudança no mundo trabalho realizada pela revolução tecnológica.
Atacando o judiciário como expressão do “sistema”,a ultradireita, habilmente, nos colocou como defensores desse sistema e das deficiências da democracia e a sí própria como “revolucionária” roubando da esquerda a bandeira da revolução brasileira. Apropriou-se das cores da bandeira brasileira e passou a intitular-se como “patriota “ roubando também da esquerda sua histórica posição de defesa da soberania nacional. Tudo isso feito por uma gente que tem como líder nacional um sujeito como Bolsonaro que bate continência para a bandeira norte-americana. E liderada internacionalmente por um tecno-imperialista chamado ElonMusk.
Mas a verdade é que a ultradireita tem um projeto de país, define-se ideologicamente com clareza e se conecta com o sentimento de revolta anti status-quo do povo brasileiro.
Haddad tem razão quando diz que a tarefa de pensar o futuro, de organizar o sonho é dos partidos. Mas ele é membro proeminente de um partido, Lula também, Geraldo Alckmin também, Marcio França também, Carlos Lupi também, AloisioMercadante também, Rui Costa também, Camilo Santana também, Lucia Santos também. E não são apenas membros, mas altos dirigentes do PT, do PSB, do PDT e do PCdoB que juntamente com o PSOL são os maiores partidos de esquerda no Brasil.
Precisam acordar para a necessidade de sonhar.
Daqui da planície e, talvez, ajudado idade, consigo ver alguns contornos desse horizonte utópico a que se referiu o jovem ministro Fernando Haddad.
Nosso partido, o PSB, fez um imenso esforço de autorreforma no seu novo programa para compreender os novos paradigmas mundiais da economia e da sociedade a partir da revolução tecnológica ainda em curso e cada vez mais disruptiva.
Registramos, também, em nosso novo Manifesto a primeira autocrítica da esquerda em relação a ausência de reformas estruturais e adesão aos métodos tradicionais da política. Essa autocritica tem sido reiterada pelo nosso presidente Carlos Siqueira.
Algumas ideias desse novo programa estão sendo parcialmente executadas por alguns ministérios, como o MDIC com a Nova Industria Brasileira que chamamos em nosso programa deRenascimento Criativo da Industria. Bem como o apoio mais decidido ao empreendedorismo realizado pelo Ministério do Empreendedorismo. Em favor da Economia Criativa, até agora em um só ministério, o da Cultura, também se registram alguns avanços. O BNDES tem também adotado uma postura mais agressiva nesse esforço da Nova Indústria Brasileira. Na área da tecnologia alguns passos para a Amazônia.
Entretanto, como já disse em outro artigo, o governo em termos de projetos para o futuro parece um arquipélago, quando precisamos de algo mais próximo de um continente.
O título dado à introdução do Programa do PSB talvez seja uma indicação para essa ideia de continente: BRASIL POTENCIA CRIATIVA E SUSTENTAVEL.
Os dois primeiros parágrafos dessa introdução são bem definidores da pretensão do novo Programa de se constituir numa contribuição para um Projeto Nacional de Desenvolvimento. O primeiro refere-se à “inserção soberana na economia globalizada com a valorização do desenvolvimento interno e a superação das desigualdades” maximizando “nossas muitas potencialidades de forma criativa e sustentável”.
O segundo diz que o “sonho socialista brasileiro assenta-se sobre as bases de nossa realidade, tanto no plano dos recursos naturais como no potencial criativo de nosso povo, de nossas empresas, de nossas universidades e centros de pesquisa”. Prossegue afirmando que” transformaremos o nosso sonho em realidade agregando inovação, cultura, pesquisa científica e avanço tecnológico (…) às nossas imensas reservas naturais de água, solo fértil, sol, minerais, Amazônia, biodiversidade para construir um Brasil como potência mundial, alimentar, energética, mineral, tecnológica e cultural”.
E o primeiro subtítulo do Programa diz respeito a uma das maiores deficiências de nossa democracia: o Planejamento Estratégico. “ A inovação e a economia criativa são elementos indispensáveis desse planejamento, pois estão presentes tanto no renascimento criativo da indústria quanto nos serviços, na comunicação e no marketing. Um planejamento moderno e inovador inserirá nossas potencialidades na nova economia da era do conhecimento’. Depois dos governos de Getúlio Vargas, Juscelino Kubistchek e Ernesto Geisel, o Brasil terceirizou o planejamento para empresas que se limitaram a planos pontuais a partir dos seus próprios interesses.
Ainda no íten do Planejamento dizemos que “é necessário estabelecer políticas macroeconômicas que permitam redesenhar o perfil da dívida pública como forma de ampliar a capacidade de investimentos, tanto pelo Estado brasileiro como pela iniciativa privada”.
Seguimos tratando de nossas imensas potencialidades como uma matriz energética invejável, uma reserva hídrica que representa cerca de 12% da agua doce do mundo, da nossa gigantesca biodiversidade, nossa área agricultável, da Amazônia 4.0, da Amazônia Azul, da mineração sustentável, da força indutora do turismo e da necessária articulação da Criatividade, Inteligência Nacional e Inovação Tecnológica. Em cada um desses itens definimos as principais linhas de referência. E tudo isso num único projeto com nome e sobrenome.
Tomo como exemplo, pelo seu caráter nacional e pelo interesse despertado na juventude, o tema da Amazônia 4.0, denominação que tomamos emprestado do cientista Carlos Nobre e sua equipe.
Um projeto de desenvolvimento sustentável para a Amazônia demonstraria bem o exercício de nossa soberania nacional, as vantagens competitivas mundiais e o seu peso estratégico na economia. Teria como objetivo “inserir soberanamente o Brasil nas cadeias globais de valor, com uma produção biotecnológica genuinamente brasileira”.
Sem derrubar uma só arvore, sem poluir nenhum rio, sem deslocar ou agredir nenhuma comunidade indígena ou ribeirinha, nosso governo poderia liderar uma grande iniciativa econômica, social e cultural como a Petrobrás, a Embrapa ou Embraer, capaz de articular e apoiar as instituições e o saberes científicos e populares já existentes à atração de capitais e investimentos para uma industrialização moderna baseada na biotecnologia e na Economia Verde e Criativa.Biofábricas, fármacos, cosméticos, pescados, frutos, minérios, produtos e serviços ecossistêmicos.
Tal iniciativa seria “ a criação da Empresa Brasileira para o Desenvolvimento da Amazônia- Amazombras – cuja missão será a gestão executiva do projeto de desenvolvimento da região (…) visando a consolidação de uma nova fronteira econômica” segundo a tese 159 do novo Programa do PSB.
Diferentemente da Petrobrás, essa empresa não produziria ou venderia uma só castanha da Amazônia. Seria uma espécie de grande holding para articular investimentos, atrair capitais empresas de tecnologia avançada, apoiar as inciativas próprias da Amazônia, apoiar instituições de pesquisas nos estados amazônicos, associar-se financeiramente a startups amazônicas, articular-se com bancos e instituições financeiras nacionais e internacionais públicas e privadas como BNDES e o BID, promover a imagem da Amazônia em ações de marketing junto com a Apex, desenvolver pequenos e microempreendimentos junto com o Sebrae e o Ministériode Empreendedorismo, apoiar a indústria cultural da Amazônia junto com o Ministério da Cultura, poiar e potencializar a NIB- Nova Industria Brasil junto com o MDIC .
Seria, enfim, um sinal para o mundo e para o Brasil,especialmente para a juventude, de que queremos fazer do Brasil uma Potência Criativa e Sustentável.
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