Diza e o desafio de humanizar o trânsito

01/06/2019 (Atualizado em 05/06/2019 | 15:12)

Diza Gonzaga nasceu em Santiago, mas construiu sua vida em Porto Alegre. Formada em Arquitetura, atua na área do trânsito desde 1996, quando transformou a dor da perda do filho em luta por uma causa. A ONG Fundação Thiago Gonzaga, morto em um acidente de trânsito em 1995, foi a primeira a discutir a humanização do tráfego no Brasil. O objetivo é conscientizar a sociedade e salvar vidas. 

Em 2018, ela concorreu a deputada federal pelo PSB e obteve 51.623 votos, tornando-se segunda suplente. Foi nomeada para o cargo de diretora institucional do Detran-RS em março de 2019. Com menos de dois meses na função, ela conversou com a reportagem do PSB sobre o novo desafio.
PSB - Como está sendo a experiência no cargo?
Diza - Para mim, o grande desafio de estar aqui no Detran é sair do terceiro setor para um órgão público. Fazer parte do sistema. Vou continuar fazendo o que eu sempre fiz, que é salvar vidas. Esta é a minha intenção. Acho que o convite do governador Eduardo Leite para fazermos parte desta gestão é para trazer o Detran nossa expertise de mais de 20 anos à frente da Fundação Thiago Gonzaga. Licenciada da presidência, trago aquilo que sei fazer, que é educar.

PSB - A educação é a base do seu trabalho?
Diza - Acho que o grande foco é a educação. Embora na minha diretoria tenhamos outras divisões, como fiscalização, balada segura, infrações e cassação. Mas a menina dos olhos desta diretoria e grande motivo para eu aceitar este desafio é a educação. Não é uma campanha pontual na véspera de um feriado ou na semana do trânsito. É um processo permanente. É isto que eu me proponho a fazer no Detran. É permear em todo departamento, e não só na diretoria que eu estou. O Detran existe para formar condutores. O resto é decorrência desta formação. A vocação de um departamento de trânsito é a formação de motoristas e cidadãos conscientes. A punição só vem se a gente falhar na educação. Nossa expectativa é reduzir o trabalho das divisões de infração e cassação em decorrência do trabalho da divisão de educação. Não estamos só treinando pessoas para serem motoristas, estamos formando cidadãos que serão conscientes na direção de um veículo.

PSB - E como está a estrutura para desenvolver estas ações?
Diza - É uma oportunidade ímpar pra mim. Encontrei aqui uma equipe com muita gente preparada, com capacidade para desenvolver o trabalho nestes quatro anos. Queremos fazer 20 ou 10 anos em quatro. Pode parecer brincadeira, mas a gente tem esta pretensão. Mas se conseguir deixar plantada esta semente, já vai valer. Porque estamos falando em vidas, e a vida não pode esperar. Estou imprimindo meu ritmo e conseguindo motivar a equipe. O diretor-geral também está sendo muito receptivo, assim como os outros diretores, todos com boa relação entre si e com o governo do Estado.

PSB - Ainda existe muito preconceito com a mulher no trânsito?
Diza - O trânsito realmente ainda é uma coisa muito masculina. Culturalmente, são poucas mulheres que militam nesta área. Em congressos sobre o tema, vemos uma mesa lotada de homens. Agentes de trânsito, PRF e BM são masculinos. Nas estradas, poucas mulheres são caminhoneiras, o trânsito como um todo é masculino. E não é diferente na gestão do trânsito. São poucas mulheres que estão nesta luta. Mas pelo meu perfil, não chego a sentir um preconceito direto. Mas sabemos que ele existe, e muito. Qualquer barbeiragem é atribuída às mulheres. Só que as seguradoras dão descontos consideráveis a carros de mulheres, pois 91% dos acidentes com morte ou lesões têm um homem na direção. As barbeiras estão em apenas 9% dos acidentes. Que continuemos sendo barbeiras então.

PSB - Há alguma forma de mudar esta cultura com relação às mulheres?
Diza - Fizemos um levantamento junto aos CFCs e fiquei pasma ao saber um dado: 80% das mulheres são reprovadas na prova prática de direção. Na teórica, temos 90% de aprovação. A explicação para isso é muito vaga. As mulheres são mais ansiosas, ficam mais nervosas, mais medrosas. Eu não me conformo com isso. Eu tenho uma teoria que as mulheres, por terem na sua biologia, no seu gene, a preservação da vida, independentemente de quererem ter filho, têm o apego à vida mais forte que os homens. Talvez por isso a mulher não se arrisque tanto e não se envolva em acidentes. É muito difícil ver mulher fazendo pegas. O olhar das mulheres humaniza o trânsito. O trânsito é a principal causa de mortes de jovens no mundo. Vamos nos debruçar sobre isso. Alguma coisa temos de fazer. Como gestores, temos que achar uma maneira da formação suprir isso.

PSB - E como o olhar feminino de alguém que vem do terceiro setor pode contribuir para melhoria neste quadro?
Diza - Precisamos rever a forma como o Departamento se comunica com a população. É um processo. Não de apenas um setor, mas de todos. Isso precisa passar por todos seus atendimentos. Por exemplo, vamos avisar com antecedência para os motoristas profissionais antes de atingirem o limite de pontos na carteira, sugerindo a reciclagem para não correrem o risco de perder a habilitação. Um comunicado de forma gentil, humana, não só a letra fria da lei. Isto vai ter um impacto social também porque vamos evitar que muitos percam seu ganha-pão. Da mesma forma, contribuímos em ações de segurança pública com o Balada Segura. São atividades integradas.

PSB - E como militante do PSB?
Diza - Se a Diza está aqui é pelo trabalho de mais de 20 anos na Fundação Thiago Gonzaga, mas também por eu ter concorrido nas eleições, por ter legitimado um trabalho com 51.623 votos. Isto deu oportunidade do governador me levar pra dentro do governo. O PSB pode colocar uma pessoa que entende da coisa, que vai humanizar. Não é um cargo, é uma missão que o PSB está me dando oportunidade de cumprir aqui dentro.

Fonte: Luciane Ferreira Foto: Eduardo Manica/Detran-RS