Conheça o estilo que Boric pretende adotar no Chile

26/01/2022 (Atualizado em 26/01/2022 | 15:38)

Foto: Esteban Felix/AFP
Foto: Esteban Felix/AFP


O presidente eleito do Chile, Gabriel Boric, será o mais novo a ocupar o posto no país, está prestes a completar 36 anos, idade mínima para assumir o posto. Venceu a eleição contra o candidato ultradireitista José Antonio Kast, com 55,8% dos votos. Boric liderou os os protestos estudantis de 2011 e reconhece os desafios do cargo ocupa a partir de março. Por isso, afirma que é preciso ser muito claro sobre as suas convicções e colocá-las em prática de maneira coerente.

Em sua primeira entrevista a um veículo internacional após ser eleito, Boric, 35 anos, disse à BBC que tem mais dúvidas do que certezas. Por isso, “é importante acompanhar as convicções que tenho com a possibilidade de duvidar delas, para melhorar”.

“Às vezes isso significa ir contra o que pode ser mais popular em um determinado momento ou o que as pessoas mais próximas te dizem. Há algo impossível de se medir, que é a intuição em política, quando se tem convicções firmes não se vai ziguezagueando pela vida. Isso te permite ter uma trajetória previsível nesse sentido”, avalia.

Para Boric, um bom presidente não é o mais ocupado ou o que tem mais papéis a sua volta. Mas o que está disposto a ouvir e receber novas ideias, com capacidade de “refletir e convocar”.

“Sempre disse que a radicalidade da nossa proposta não está em quão forte as defendemos, em quão esdrúxulas são as intervenções, mas sim pela capacidade de convocação e pelo significado que dão às pessoas. Primeiro você se torna classe dominante antes de ser classe dirigente. Você primeiro faz mudanças culturais antes de ter a chance de dirigi-las. E acho que nossa geração fez exatamente isso”
Gabriel Boric

Boric conta que costuma dizer às pessoas que não será possível cumprir todas as medidas necessárias.

“E há uma sabedoria popular maior do que supõem as elites. As pessoas sabem que isso vai ser difícil, sabem que as mudanças não virão da noite para o dia, mas querem que tentemos e que sejamos honestos ao tentar. Uma das coisas que importa para mim é contar a eles sobre os obstáculos que estamos enfrentando e por que há certas coisas que fazemos e outras que não podemos fazer”, afirma.

Diz que pretende envolver a população no processo de governo “para que se sintam parte dele”. As expectativas devem ser moldadas “com base na realidade”, “que é mais teimosa que qualquer ideologia”.

Mas se mostra otimista, especialmente, no sentido de colaboração entre os chilenos.

“Minha expectativa é que ao final de nosso mandato tenhamos um Chile que se encontre, onde colaboramos mais do que competimos; um Chile que se faz ouvir, e sobretudo um Chile mais justo no sentido de que as enormes desigualdades que hoje marcam o lugar de origem e o lugar da morte se diluem em função da trajetória de vida e das possibilidades que cada um tem como pessoa. E que essas possibilidades sejam cada vez mais iguais”
Gabriel Boric

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Relação de Boric com o poder

O presidente eleito do Chile também costuma dizer que, ao final do seu mandato, espera que o presidente tenha menos poderes do que quando começou. Isso se relaciona, explica, com as suas origens.

“Isso tem a ver de onde eu venho. Sou de Magalhães, nascido e criado nas margens do Estreito e desde que me lembro ouço a palavra descentralização sem que ela tenha tido grandes efeitos na vida cotidiana das pessoas. As decisões acabam sendo tomadas por uma elite de classe alta de Santiago, acima das realidades que se vivem nas comunas, nos bairros. E a figura presidencial está no topo disso”, critica.

Para ele, isso deve estar no processo constitucional – que o poder não fique tão concentrado em poucas mãos – não apenas do presidente, mas que se estenda aos demais poderes.

“Sendo mais específico, espero que no final de nosso mandato tenhamos um Chile descentralizado, que nos bairros, nas comunas, nas regiões se possa decidir seu futuro mais do que a partir do Palácio La Moneda ou de um bairro rico de Santiago”, define.

Gestão com afeto

Sua forma afetuosa de tratar se deve com a preocupação com as pessoas, afirma Boric.

“É que em um país tão agredido ultimamente, tão dividido, é importante que nos amemos de novo. Para mim, a preocupação com a saúde mental foi fundamental no meu desenvolvimento nos últimos anos, e entender que, como chilenos, nos falta afeto. E se alguém pode contribuir um pouco para dar isso, me parece uma boa hora”
Gabriel Boric

E acrescenta que “se você se cercar apenas das mesmas pessoas que são iguais a você, da mesma classe social que você, ou que pensam igual a você, você acaba em uma bolha que distorce a realidade. E esse é um problema endêmico da política que temos que tentar mudar.”

Relação com a elite

Chamado por críticos de ‘lobinho disfarçado de cordeiro’, Boric afirma que parte da elite é “muito egocêntrica”. O que se deve à posição de privilégio que ocupam há bastante tempo e que gera incertezas.

“Espero, por um lado, que as elites deixem de ter medo de nós. Não espero que concordem comigo, mas espero que parem de ter medo de nós. Mas essa desconfiança não é uma crítica infundada, porque de alguma forma se passou de um político de frases e ações às vezes impetuosas para um político acolhedor, moderado”
Gabriel Boric

Em muitos momentos da entrevista, Boric se refere à importância dos erros e de olhar para o passado para não os repetir e buscar as boas experiências.

A geração millenial, dos nascidos nas décadas de 1986 e 1996, é um fator que gera receios justamente por serem jovens. A média de idade do alto escalão de seu governo, que tem maioria de mulheres, é de 35 anos.

Para ele, esse tipo de crítica é o mesmo que dizer que outra geração, os baby boomers, dos nascidos entre 1946 e 1964, não poderiam ter assumido o poder, embora tenham governado o Chile nos últimos 30 anos.

E atribui sua vitória tanto ao surgimento da nova geração como com a necessidade de renovação.

“Com a ideia de uma sociedade que se opõe claramente ao que o atual governo apresentou e à candidatura com que nos deparamos no segundo turno. É o oposto do gestor 24 horas por dia, 7 dias por semana, o self-made man que estudou apenas em universidades estrangeiras, mas também tem a ver com conhecer bem a trajetória do Chile”, ressalta.

Pessoas que estudaram em escolas públicas de ensino básico ao superior compõem o seu governo, como o ministro da Educação, é Marco Antonio Ávila Lavanal, o primeiro professor a ocupar o cargo. Ele se formou em escola pública.

Papel do Partido Comunista na eleição de Boric

O presidente eleito do Chile afirma que é preciso desmistificar o os medos contra o Partido Comunista do Chile. Embora haja diferenças tanto “táticas” como pontuais, Boric afirma que é um partido “profundamente democrático e que esteve ao lado das lutas sociais e dos oprimidos”.

Quando questionado sobre a possibilidade de um governo de esquerda “comedido e reformista”, Boric critica a “obsessão da elite” em moderar o discurso e rotular.

“É mais um complexo deles do que nosso. Temos uma direção e vamos caminhar rumo a ela. E essa direção é criar um Estado que consagre os direitos sociais universais, com pleno respeito aos direitos humanos, que descentralize o poder, que assuma os desafios ambientais, da crise climática”
Gabriel Boric

Para ele, a ideia é ser mais equilibrado que moderado.

Questionado se está mais próximo da social-democracia ou do comunismo, Boric afirma que vem “da tradição socialista libertária chilena”. Se posiciona como um democrata e defende que a democracia tem que “mudar e se adaptar e não se petrificar”

“Acredito que a democracia no Chile carece de maior densidade”, resume.

Relação de Boric com outros países

Em relação a América Latina, o posicionamento é claro.

“Espero trabalhar ao lado de Luis Arce, na Bolívia, de Lula se ele ganhar as eleições no Brasil, de Gustavo Petro, cuja experiência se consolida na Colômbia. Acho que pode ser um eixo interessante”
Gabriel Boric

Afirma que no caso da Nicarágua, “não consigo encontrar nada lá”. Sobre a Venezuela, diz que “é uma experiência que fracassou, e a principal demonstração de seu fracasso é a diáspora de 6 milhões de venezuelanos.”

No Brasil, cita novamente o ex-presidente Lula (PT), a quem afirma “valorizar muito a experiência” e que busca conhecer a do também ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Fora da América Latina, acredita que para além da comparação da idade com outros governantes com menos de 45 anos, como Jacinda Ardern, da Nova Zelândia, ou Emmanuel Macron, da França, “o certo é que hoje existe uma crise climática global partir da qual acredito que nossa geração vai adquirir uma consciência maior do que as anteriores.”

“E que eu espero seja algo que nos una. Tive a oportunidade de falar sobre isso com [o premiê canadense] Justin Trudeau. Recebi uma carta de Emmanuel Macron [presidente da França], também nesse sentido, sei que [a premiê neozelandesa] Jacinda Ardern teve essa preocupação, então espero que tenhamos um ponto em comum e forcemos a gerações anteriores e os governantes de todos os países, como [a ativista] Greta [Thunberg] disse, a agir agora”, afirma.

Fonte: Socialismo Criativo