Volta às aulas presenciais este mês coloca professores e alunos em risco

03/08/2021 (Atualizado em 03/08/2021 | 12:07)

Imagem: iStock
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No dia em que escolas das redes públicas de quase todo o país voltam às aulas presenciais, pesquisa do Instituto Pólis mostra que, este ano, em relação a 2020, só a cidade de São Paulo registrou 297 óbitos em decorrência de complicações causadas pela covid-19 entre profissionais da educação de 18 a 60 anos. A alta é de 130%.

Apesar desses dados e da disseminação veloz da variante Delta, que é muito mais contagiosa e letal do que outras cepas do novo coronavírus, no Brasil apenas 3 estados brasileiros não terão aulas presenciais nas redes de ensino estaduais em agosto.

Os governos do Acre e da Paraíba planejam a retomada presencial das atividades escolares só em setembro, quando os professores já deverão ter recebido a segunda dose da vacina. E o governo de Roraima ainda não divulgou previsão de retorno das aulas presenciais.

Nos demais estados, os governadores sustentam que a volta das aulas presenciais é segura porque a vacinação dos profissionais de educação avançou e que os casos de covid-19 estão em queda no país. Eles ignoram a variante Delta, que já matou mais de 250 pessoas no país e vem provocando preocupação em países domo Israel, Estanos Unidos e França, e também o fato de que muitos professores não estão completamente imunizados. Em São Paulo, por exemplo, vários tomarão a segunda dose apenas em setembro.

Sindicatos dos professores reagem

Sindicatos de professores do país reagiram duramente a decisão dos governadores e prefeitos de determinar a volta as aulas presenciais mesmo sem que todos estejam vacinados e sem que as escolas ofereçam condições de segurança para esse retorno. 

Em Minas Gerais,  o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG) realizou novo Conselho Geral com a categoria nesta quarta-feira (28) e deliberou pela realização de Greve Sanitária por tempo indeterminado a partir de hoje (2). A greve é contra a falta de condições de segurança para se prevenir contra o novo coronavírus nas escolas da rede pública do estado.

No Paraná, de acordo com o Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP-Sindicato ) os professores e as professoras decidiram suspender a Greve Pela Vida e permanecer em  assembleia permanente. Continuará se reunindo periodicamente para avaliar a convocação de Assembleia Estadual assim que necessário. A assembleia deliberou também a jornada de lutas do Sindicato para o mês de agosto e setembro, entre elas a realização, no dia 30 de agosto, de um Dia de Luto e Luta em defesa da educação pública do Paraná.

Em São Paulo, o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) pubicou boletim dizendo que volta as aulas em agosto nem pensar. Não antes de todos serem vacinados. Tem professor que só tomará a egunda dose em setembro.

Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), divulgou nota sobre estudo que mostra como o retorno as aulas presenciais pode se transformar em um risco, como o uso inadequado de máscaras, e as condições necessárias nas escolas para proteger professores e alunos, como boa ventilação e infraestrutura das escolas, raramente encontrado nas escolas do país. 

A  Frente Pela Vida preparou um panfleto, a partir do Manifesto Saúde, Educação e Assistência Social,  orientando a população a observar os aspectos mais importantes para o retorno: monitoramento da situação geral e local da pandemia, garantias estruturais e sanitárias e de participação coletiva nas ações.

O material informativo aponta aspectos a serem cobrados às autoridades responsáveis como garantias mínimas para retorno de atividades essenciais: um plano abrangente, pensando nas particularidades dos diferentes segmentos e faixas etárias, ações intersetoriais entre as equipes de educação, saúde e assistência social, aumento dos trabalhadores, gestão democrática e condições de acesso à tecnologia para aulas remotas e modelos híbridos.

Pesquisa do Instituto Pólis

A pesquisa do Instituto Pólis mostra também que das 756 mortes de profissionais de educação na capital paulista registradas desde o início da epidemia, em março do ano passado,  429 mortes (57%)  ocorreram nos primeiros seis meses deste ano.

O total de mortes na faixa dos 18 a 60 anos corresponde a 39% de todas as mortes da categoria, segundo nota da colunista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo. De acordo com a nota, os números foram obtidos pelo Pólis por meio da Lei de Acesso à Informação junto à Secretaria Municipal de Saúde e ao Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe.

Preocupação de pais e professores

Pais, professores e profissionais de educação e de saúde estão preocupados com os riscos trazidos pelo retorno às escolas enquanto o número de contaminação ainda é alto. Além da insegurança devido às baixas taxas de vacinação completa, há ainda as desconfianças em relação aos protocolos criados por gestores que sequer os consultaram.

Desconfiança que fazem todo o sentido, segundo um estudo da Rede de Pesquisa Solidária. Segundo os pesquisadores, os planos de retorno às aulas não são assim tão seguras e trazem uma série de problemas. Enfatizam medidas de higiene, como limpeza de superfícies, enquanto os protocolos mais recentes disponibilizados pelas autoridades de saúde mundiais.

Isso porque o novo coronavírus e suas variantes, causadores da covid-19, tem como principal via de transmissão a aérea. Assim, a atenção dos protocolos deveria ser voltada primariamente à ventilação dos ambientes escolares. Mas não é. Não faz parte de nenhum dos planos examinados.

Retorno às aulas

Outro recomendação: Máscaras PFF2 devem ser distribuídas amplamente nas escolas públicas e junto às populações em situação de vulnerabilidade social. Mesmo que as PFF2 possam ser reutilizadas, enquanto estiverem íntegras e com boa vedação do rosto, devem ser deixadas por pelo menos três dias em lugar arejado e sem sol. Por isso, é necessária a distribuição de máscaras para todos os alunos, funcionários e professores.

Apesar de ser uma medida comprovadamente efetiva para conter o contágio, aparece nos protocolos de apenas duas das 26 capitais (8%) e 1 entre os 27 estados (4%).

A testagem por meio do RT-PCR, RT- LAMP ou antígeno deve ser ativa e periódica para profissionais de educação, funcionários e alunos.

Para os pesquisadores, os protocolos de reabertura de ensino presencial devem ser continuamente melhorados e aprimorados pelos governos. Para permitir maior compreensão e maior chance de implementação, os planos de volta às aulas devem ser publicados com todas as medidas resumidas em um documento, único e público.

Aulas presenciais

Mas não é bem o que viram em seu estudo. Apenas 56% das capitais e 49% dos estados apresentaram planos estruturados. Nos demais, os protocolos das redes estaduais e das redes municipais das capitais estaduais não foram divulgados em formato de um documento único, estruturado e transparente. Com isso, a comunidade escolar não teve o conhecimento e a segurança.

Por isso defendem que o ensino remoto, política indispensável ao funcionamento dos modelos híbridos, precisa de maior preocupação por todas as esferas da administração pública, sobretudo quanto à ampliação do acesso à internet.

E que os protocolos tragam mais medidas para evitar a interação entre turmas e especificar orientações para que diferentes turmas não sejam misturadas em atividades coletivas. Nesse sentido, a criação de bolhas seria a medida mais eficaz.

Para o movimento Famílias pela Vida, o protocolo da rede municipal de São Paulo está desatualizado e insuficiente frente ao que se sabe hoje sobre a transmissão do coronavírus. Para o coletivo, máscaras de pano, álcool em gel e distanciamento em uma sala de aula fechada são insuficientes.

100% dos alunos

É temerário a gestão querer 100% dos alunos de volta em um contexto de imunização incompleta, baixa cobertura vacinal da população, variante Delta e altos índices de mortalidade infantil no Brasil.

“Não existe testagem em criança, só quando tem os sintmoas fortes. O Brasil é campeão de mortes de crianças por covid-19. Comunicação dos casos entre a escola, a Unidade Básica de Saúde e a Diretoria Regional de Ensino deveria ser mais definidos. A gente tá em lugar em que academias e restaurantes já voltaram a abrir. Não adianta decretar que a educação é serviço essencial, quando se trata de direito. E isso poderia ter sido feito de todas as formas. Deveria ter sido prioridade para reabrir mas não foi”, disse Thalita Pires, integrante do Famílias pela Vida, em webinário realizado na noite desta quinta-feira (29) para discutir o tema.

Para ela, isso faz com que todo esse direito constitucional à educação aejam sejada negado. “Os bares e academias não vão voltar a fechar. A gente está sendo empurrada para uma abertura que não é segura, porque o poder público não priorizou a educação. O lobby dos outros setores foi mais importante. Pro governo, era mais importante esses pais voltarem a trabalhar do que pagar auxílio-emergencial para essas pessoas poderem ficar em casa sem passar fome. Era mais importante colocar essas pessoas para trabalhar do que proteger a infância. Criança é subcidadão, mãe é subcidadão. Quem está pagando por isso são as mulheres, as criancas. Todos esses abismos sociais estão se aprofundando.”

Aulas seguras

Professora da Universidade de Brasília (UnB) e integrante do comitê Distrito Federal da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Catarina de Almeida Santos entende que o debate em torno da segurança da escola é amplo e complexo. E que deve envolver pais, professores e quem mais entender muito de escola.

“Estamos debatendo elementos a serem seguidos para a escola, que é espaço de desenvolvimento humano, se tornar segura. Mas se nossas condições pedagógicas para o ensino e aprendizagem necessitam de proximidade muitas vezes quando há que se cumprir a distância de um metro, então é melhor ficar em casa. Seria uma escola de robôs”, disse.

Para ela, o debate tem de ser feito em torno da garantia de direitos. O direito fundamental à educação, conforme o artigo 6º da Constituição. Mas antes dele, há o artigo 5º, sobre o direito à inviolabilidade da vida. “A discussão que estamos fazendo aqui é sobre os protocolos. Então ele precisa defender o direto à educação. Mas não colocar em risco o direito à vida”.

Fonte: Socialismo Criativo