Cinco atletas da delegação brasileira em Tóquio são motoristas de apps

02/08/2021 (Atualizado em 02/08/2021 | 17:52)

Foto: Reprodução internet/AFP
Foto: Reprodução internet/AFP

A edição em casa, na Rio 2016, foi histórica, com recorde de atletas na delegação brasileira e o melhor resultado de todos os tempos. Agora, com 309 integrantes, a delegação de atletas do Brasil nos Jogos Olímpicos de Tóquio é o segundo maior em 101 anos de participação do país nas Olimpíadas. Mesmo com todos esses números positivos, atletas brasileiros ainda passam por apertos por conta da falta de investimentos no esporte.

Enquanto treinam arduamente, muitos esportistas, com e sem índices, fazem contas, promovem rifas e vaquinhas e trabalham em bicos para obter meios de financiar a principal empreitada da vida deles. Quando as receitas secam por falta de patrocínio, sobram poucas alternativas.

Outra profissão para manter a renda

Dos 309 atletas que estão representando Brasil em Tóquio, 33 atletas tem outras profissões para se manterem, como por exemplo, vendedor, empresário, professor, e por aí vai. Ou seja, 10% da delegação sequer vive do esporte que pratica, onde 15% destes atletas são motoristas de app. Segundo reportagem da Revista Veja, o atleta do decatlon Jefferson de Carvalho Santos, 25, que treina em uma pista pública em São Bernardo do Campo, trabalha como motorista de aplicativo para pagar suas contas.

“Em vez de treinar em dois períodos e descansar no terceiro para me recuperar para o dia seguinte, eu faço todos os treinos pela manhã; à tarde e à noite eu trabalho como motorista de aplicativo”.
Jefferson de Carvalho Santos

Em março do ano passado, durante a primeira onda da pandemia, sem local para se preparar devido ao fechamento dos clubes e parques, Santos chegou a praticar o esporte em um gramado às margens da Rodovia dos Imigrantes, em Diadema, onde mora.

Pouco mais de 100 reais por dia

Hoje, as corridas (ao volante) lhe rendem pouco mais de 100 reais limpos por dia, dinheiro suficiente para pagar o aluguel, o financiamento do carro e as despesas da casa. Sobra pouco para investir em equipamentos novos das dez modalidades que precisa exercitar diariamente.

O orçamento ficou apertado depois de perder seu último patrocínio, do Esporte Clube Pinheiros, que lhe rendia até janeiro deste ano cerca de 1 000 reais por mês. A Bolsa Atleta, paga pelo governo federal, atrasou em 2021 e ainda não foi paga. Os valores variam de 925 reais (atletas nacionais) a 1.850 reais (internacionais). Para os atletas olímpicos, o valor sobe para 3.100 reais.

“Se eu tivesse algum tipo de ajuda nesta reta final de preparação, poderia me dedicar exclusivamente para a obtenção da vaga olímpica”, diz o esportista.

Investimentos X resultados

A relação “investimento X resultado” não é uma coincidência. Sabe-se que cinco atletas que ganharam medalha até agora em Tóquio são patrocinados por grandes empresas como Avon, Adidas, Coca-Cola, Nike e Oi.

  • Ítalo Ferreira: Red Bull, Oi
  • Kelvin Hoefler: Banco BV, Monster Energy e empresas de Skate
  • Rayssa Leal: Nike, Monster Energy e BB
  • Daniel Cargnin: Dux Nutrition; Marinha
  • Mayra Aguiar: Avon, XP, Adidas, Coca Cola

De acordo com a matéria do Globo Esporte, dos 309 atletas que representam o país nas Olimpíadas de Tóquio, 231 recebem Bolsa Atleta. Desses 231, somente 87 atletas recebem Bolsa Pódio, que varia entre 5mil e 15 mil reais. 42% dos atletas que estão competindo pelo Brasil nos Jogos Olímpicos de 2021 não têm nenhum patrocínio; 19% vivem com menos de R$ 2 mil de auxílio; 7% vivem com menos de R$ 1 mil de auxílio; 13% fizeram vaquinha pra ir aos jogos.

Atletas fazem investimentos do próprio bolso

Segundo uma matéria do Uol, depois de dizer aos repórteres de televisão que estava saindo de Tóquio orgulhoso por “colocar a canoagem em um lugar onde ninguém nunca imaginou”, o atleta Pedro Henrique Gonçalves da Silva, mais conhecido como Pepe Gonçalves, desabou. Eliminado na semifinal do K1 como penúltimo colocado da etapa na canoagem slalom dos Jogos Olímpicos de Tóquio, na sexta (30), ele abraçou o assessor de imprensa da Confederação Brasileira de Canoagem (CBCa) e caiu no choro. Ficou alguns minutos ali, primeiro no ombro do amigo, depois ajoelhado chorando, até recuperar as energias.

Inicialmente, negou que estivesse chateado. “Chateado é uma palavra muito forte. Eu dei o meu máximo, deixei tudo na água, o que eu tinha e o que eu não tinha.” Depois, disse que estava “desapontado”. “O choro foi de saber que eu poderia estar com essa medalha no peito hoje, saber que eu estou pronto, saber que um detalhe me tirou da final. E o choro talvez seja mesmo por estar desapontado, por não ter entrado na final. Mas por outro lado estou orgulhoso, porque briguei de igual para igual num esporte que é feito por europeus, para europeus”.

E aí veio o desabafo. Primeiro, de fazer parte de uma modalidade que praticamente só acontece na Europa. “Eles toda vez tiram a gente da jogada, com campeonatos só na Europa, equipamentos só na Europa. A gente tem de fazer um esforço que eles não têm de fazer para participar deste esporte, destes campeonatos. A cada prova na Europa, os caras acabam e vão jantar com a mãe, com a esposa e com as filhas. A gente está no esporte de gaiato e fazendo história em um esporte que é feito por europeus e para europeus”, reclamou.

Mas o incômodo não é só com a estrutura internacional da canoagem. Como já havia feito Ana Sátila ontem (29), de forma mais discreta, depois de ficar sem medalha na final feminina do C1, Pepê reclamou de ter ficado quase todo o ciclo olímpico sem treinador. Ele fez duras críticas à CBCa, ressaltando, porém, que no último ano as coisas melhoraram.

“Fizeram escolhas depois da Rio-2016 que impactaram aqui. A gente ficou quatro anos sem treinador, a gente ficou quatro anos tendo que planejar da nossa cabeça algumas coisas, coisa que a gente não tem que fazer. Então o tempo que a gente tinha de gastar a energia só para entrar na água e treinar, a gente teve de ser o nosso treinador, o nosso preparador físico, a nossa logística”.
Pepê Gonçalves

“Talvez os erros que aconteceram hoje foram de um ciclo olímpico começando falho, já demitindo o Ettore Valti, que é o melhor treinador do mundo. Demitiram ele, demitiram o meu treinador. E vieram com uma ideia totalmente diferente, que impactou totalmente o nosso ciclo olímpico”, continuou. Segundo Pepê, ele teve que investir mais de R$ 100 mil do próprio bolso só comprando equipamentos, isso sem contar gastos com viagens, competições, treinamentos…

Ele fez questão de frisar, porém, que as coisas melhoraram no último ano. Em janeiro morreu João Tomasini, até então único presidente que a CBCa já tivera. Em março, a confederação elegeu como mandatário o gaúcho Jonatan Maia, então vice-presidente da gestão Tomasini.

“O Jonathan é muito aberto, a gente já expôs isso a ele, o COB também já está sabendo, e acredito que acabando aqui os Jogos de Tóquio, a gente já estará com a cabeça em Paris, e eles vão aprender com esses erros cometidos lá atrás”.
Pepê Gonçalves

Atletas militares recebem investimentos

O Governo Federal se define como principal patrocinador do esporte olímpico no Brasil, com recursos repassados anualmente pela Lei das Loterias, Lei de Incentivo ao Esporte e Bolsa Atleta. No dia 20 de julho, a Secretaria Especial do Esporte do Ministério da Cidadania lançou um guia completo com os 302 atletas brasileiros em Tóquio e detalhes do investimento do Governo Federal nos 242 que recebem Bolsa Família.

Segundo uma publicação do Governo Federal, “274 atletas têm o suporte da Bolsa Pódio, categoria mais alta do Bolsa Atleta, destinada aos esportistas mais bem posicionados no ranking mundial e com mais chances de medalhas olímpicas”, o que contraria o relato da reportagem do Globo Esporte. A publicação não esclarece o que seria esse “suporte” aos atletas.

Outra curiosidade é que atletas que estão inseridos na carreira militar têm investimentos. Segundo a publicação no site do Governo Federal, que pertence a pasta Cultura e Esporte, outro programa federal que garante incentivo aos esportes olímpicos é do Ministério da Defesa.

O Programa Atletas de Alto Rendimento, das Forças Armadas, investe cerca de R$ 38 milhões anuais em 540 atletas, que contam com direitos da carreira militar e suporte adicional à preparação para megaeventos. Dos 540 atletas que fazem parte do programa, 91 estão classificados para os Jogos Olímpicos, em 21 modalidades: 44 pertencem à Marinha do Brasil, 26 ao Exército Brasileiro e 21 à Força Aérea. Todos estão identificados nos perfis do guia lançado pelo Governo Federal.

Com informações da Revista Veja e Uol

Fonte: por: Mariane Del Rei / Socialismo Criativo