JULHO DAS PRETAS, por Sanny Figueiredo

23/07/2021 (Atualizado em 26/07/2021 | 09:38)

As mulheres negras nunca reconheceram o mito da fragilidade que sempre justificou os espaços subalternos que lhes foram dados. Aprenderam muito cedo o quanto duro é o trabalho nos espaços disponibilizados e, acima de tudo, que suas vidas valiam o que lutassem para ter.  O processo que desumaniza a população negra fez com que o machismo sobre essas mulheres tivesse um impacto maior do que nas demais, principalmente, na mercantilização de suas vidas e corpos, além de sua  afetividade.

Sabemos quais são as consequências da negação do papel da mulher negra na formação da cultura dos povos, especialmente, na política partidária e na área social. Mesmo entre os movimentos feministas mais avançados e plurais há - ainda hoje - uma dificuldade em reconhecer as mulheres negras que estiveram presentes nas lutas e movimentos sociais e, principalmente, na capacidade destas de ocupação de espaços “privilegiados”. As heroínas e intelectuais  negras são totalmente invisibilizadas nos processos históricos.

Após séculos de exploração ainda há - de forma intensa - a erotização e apropriação do corpo da mulher negra. Nada diferente do passado por mulheres negras na diáspora como um todo e, principalmente, na América Latina, onde essa identidade é legitimada a partir de raízes euro-ocidental, raiz que rejeita a presença negra na história e vida cotidiana, que exclui e discrimina. Por conta do entendimento dessa realidade comum na diáspora negra, um grupo de mulheres negras viu a necessidade de iniciar um debate em nível internacional sobre a situação da população afrodescendente, o racismo, discriminação e principalmente questionar a identidade europeia imposta a esse povo.

Diante da constatação de que é difícil ser negra latino-americana numa sociedade construída a partir do racismo e do patriarcado, essas delinearam os países latino-americanos via exclusão territorial, social, econômica e política. Esses dados confirmaram a realidade da diáspora negra na perspectiva racial e principalmente das mulheres negras, onde essa identidade implica em sofrer uma dupla opressão historicamente construída e a hegemonia de um gênero sobre o outro. Ao compreender esses fatos, surge a necessidade de construir uma identidade global com uma articulação que pudesse permitir ter uma maior visibilidade dessa situação em toda região.

Essas mulheres internacionalizaram o debate que faz surgir o movimento das mulheres afro-latinas e caribenhas, contribuindo dessa maneira para a criação da maior antena preta feminista. Essa união permitiu a aproximação de profissionais de comunicação, cultura, acadêmicos e áreas afins que hegemonizaram a luta negra na diáspora de forma continental. A partir dessa articulação, em 1992, em Santo Domingo, na República Dominicana, realizou-se o 1º Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas, do qual decorreram duas decisões: a criação da Rede de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas e a definição do  25 de julho como Dia da Mulher Afro-latino-americana e Caribenha.  Data que, nos dias de hoje, temos  orgulho  em comemorar.

O 25 de julho internacionaliza o feminismo negro via aglutinação da resistência das mulheres negras à cidadania nas regiões  em que vivem, principalmente as  opressões de gênero e étnico-raciais. Dessa forma, essa data amplia e fortalece as organizações e identidade das mulheres negras, que vem construindo estratégias para o enfrentamento do racismo e do sexismo. Essa não é uma data qualquer  para nós mulheres negras, ele significa o rompimento com um feminismo que nunca nos contemplou. Resgata a luta das mulheres negras da diáspora, iniciada ainda na década 70, através das feministas negras em pontos diferentes da diáspora.

Comemorar o  25 de julho é celebrar e reverenciar a elaboração de novas perspectivas feministas, em especial da introdução da diferença na teoria feminista tradicional. Afinal JULHO DAS PRETAS! 


Sanny Figueiredo

 Secretaria de Formação da NSB RS


Fonte: