Quando Brasil mais precisa de vacinas, Bolsonaro faz insinuações contra China, país de origem dos insumos

07/05/2021 (Atualizado em 07/05/2021 | 12:52)

Foto: Divulgação
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O presidente Jair Bolsonaro insinuou, durante um discurso no Palácio do Planalto nesta quarta-feira (5), sem citar nominalmente a China, que o vírus causador da covid-19 pode ter sido “criado em laboratório”, como parte de uma “guerra química e bacteriológica”.

No momento em que o Brasil mais depende de insumos vindos da China para a fabricação das suas principais vacinas aplicadas no país, Bolsonaro sugere a intenção proposital do país asiático em criar um vírus para ganhar vantagem na disputa geopolítica.

“É um vírus novo, ninguém sabe se nasceu em laboratório ou nasceu por algum ser humano ingerir um animal inadequado. Mas está aí. Os militares sabem o que é guerra química, bacteriológica e radiológica. Será que estamos enfrentando uma nova guerra? Qual país que mais cresceu seu PIB? Não vou dizer para vocês”, afirmou o presidente.

Apesar de não ter citado diretamente a China, ela foi o único país que teve aumento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020, de 2,3%. O novo coronavírus foi detectado primeiro na província chinesa de Wuhan, ainda em dezembro de 2019, mas o país também foi o primeiro a controlá-lo com medidas muito duras de lockdown.

À noite, Bolsonaro se justificou, afirmando não ter citado diretamente o país asiático em seu discurso.

“Eu sei o que é guerra biológica, o que é guerra química, guerra nuclear. […] Só falei isso e mais nada. Agora, vocês da imprensa não falam onde nasceu o vírus. Falem. Ou estão temendo alguma coisa. Eu não falei a palavra China. […] Muita maldade para atrair atrito com um país que é muito importante para nós. E nós somos muito importantes para ele”, afirmou.

O líder da Oposição, deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ), criticou em suas redes sociais a fala de Bolsonaro. “Para desviar a atenção dos escândalos revelados pela CPI da Covid, Bolsonaro parece estar disposto a tudo, até mesmo prejudicar a vacinação. O maior aliado do vírus é Bolsonaro: o presidente só atrapalha o combate à pandemia. Impeachment é a única saída”, afirmou.

“Após ataques gravíssimos ao país, importante fornecedor de insumos para vacina, Bolsonaro faz papel ridículo ao tentar fugir da responsabilidade pela crise que criou. Erro atrás de erro de um presidente que não está à altura do Brasil”, criticou Molon após o presidente negar que atacou a China.

A deputada federal Lídice da Mata (PSB-BA) afirmou que “o genocida atacou a China e o brasileiro ficará sem vacina. Simples assim”.

No último dia 27 de abril, sem saber que sua fala estava sendo transmitida ao vivo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que “o chinês inventou o vírus”. Na terça-feira (4), ao comentar a declaração, ele afirmou que a expressão foi “infeliz” e que “volta e meia fala besteira sem querer”.

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, também já chamou a doença de “vírus chinês” nas redes sociais, imitando a postura do ex-presidente dos EUA Donald Trump.

Em 20 de outubro de 2020, Bolsonaro desautorizou o Ministério da Saúde de comprar 46 milhões de doses da vacina CoronaVac, produzida pelo Instituto Butantan e pelo laboratório chinês Sinovac. Bolsonaro afirmou que o imunizante “não será comprado” pelo governo brasileiro. Em sua rede social, ele reafirmou a declaração dada no dia anterior, apelidando o imunizante contra o novo coronavírus de “vacina chinesa de João Doria”. Ele disse que a vacina, antes de ser disponibilizada à população, deverá ser comprovada cientificamente pelo Ministério da Saúde e certificada pela Anvisa, completando que “o povo brasileiro não será cobaia de ninguém”.

Na época, os governadores socialistas de Pernambuco (PSB), Paulo Câmara, e do Espírito Santo, Renato Casagrande, criticaram a decisão de Bolsonaro sobre a compra da vacina chinesa.

“A influência de qualquer ideologia em temas fundamentais, como a saúde, só prejudica a população. Defendemos que todas as vacinas consideradas seguras, avalizadas pelas autoridades, sejam disponibilizadas ao povo brasileiro. É preciso dar este passo na superação da Covid-19”, defendeu o governador do Estado pernambucano.

“Temos que apelar ao presidente para que a gente tenha equilíbrio, racionalidade, empatia com quem pode pegar esse vírus. Um apelo mesmo para manter o que falamos ontem. É importante manter a decisão republicana de ontem e deixar de lado questões eleitorais, ideológicas. E torcer para que o que disse Bolsonaro não seja levado ao pé da letra”, disse Casagrande.

O então líder do PSB na Câmara, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), também demonstrou sua indignação. “Bolsonaro despreza a vida dos brasileiros. Suas ações misturam cálculo político rasteiro e desdém pela saúde pública. Insistiu na cloroquina, sem comprovação científica. Agora se recusa a considerar vacina desenvolvida sob protocolos científicos. De olho apenas em 2022, Bolsonaro mistura dados fantasiosos e medidas atrapalhadas para encobrir a pior reação governamental do planeta à pandemia”, criticou.

Não há qualquer evidência de que o novo coronavírus tenha surgido de alguma experiência mal-sucedida ou criado propositalmente em laboratório pela China ou qualquer outro país. A Organização Mundial de Saúde (OMS) concluiu em uma investigação que a hipótese mais provável é que o vírus tenha se originado em morcegos e que tenha chegado aos humanos passando por outro animal.

A China é o principal parceiro comercial do Brasil e fornece o insumo farmacêutico ativo (IFA) necessário para o envase da CoronaVac, vacina que responde por 75,9% das doses de vacinas contra Covid-19 no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, e também para o envase da vacina da AstraZeneca pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), responsável pelo restante das imunizações do país até agora.

Fonte: PSB Nacional - Com informações do Valor, da Istoé Dinheiro, G1 e Poder 360