No
próximo dia 21 de março, o mundo celebra o Dia Internacional contra a
Discriminação Racial e nos pede uma pequena reflexão sobre o assunto. Como introdução ao artigo "Um Passo Adiante, Sempre", do nosso
E
vamos fazê-la, dentro dos limites de nossas fronteiras, já que, mesmo após mais
de 130 anos da Lei Áurea, o legado do passado ainda está presente na sociedade
brasileira. Os negros enfrentam racismo, exclusão, marginalização e violência
estrutural e institucional, e a morte violenta é uma constante em todas as
pesquisas e estudos sobre o tema.
O
certo é que o Estado brasileiro pouco fez, e hoje pouco faz, para a promoção de
políticas públicas quanto a educação, saúde, emprego e cultura voltados para a
inclusão integral da população negra na sociedade.
E
ainda com agravante: nos últimos quatro anos, o que estamos percebendo é um
retrocesso de políticas adotadas por governos anteriores.
Tanto
que, em uma linguagem inusitada e pouco usual no meio diplomático, a comissária
do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle
Bachelet, acusou diretamente o governo brasileiro de fazer parte do problema
racial no país.
A
fala veio dois dias depois do homicídio de um cidadão negro em um supermercado
em Porto Alegre e logo após o presidente Jair
Bolsonaro, usar linguagem típica de teóricos da conspiração para denunciar o
que chamou de tentativa de gerar tensões raciais artificiais no Brasil.
O Alto
Comissariado da ONU continuou sua declaração afirmando que “o racismo, a
discriminação e a violência estruturais contra afrodescendentes no Brasil são
documentados por dados oficiais, que indicam que o número de vítimas
afro-brasileiras de homicídio é desproporcionalmente maior do que outros
grupos”, e que negros também são maioria nas prisões brasileiras.
A alta comissária da ONU também
destacou que o Brasil necessita de “reformas urgentes nas leis, instituições e
políticas, incluindo ações afirmativas”. “Os estereótipos raciais profundamente
enraizados, inclusive entre os funcionários da polícia e do judiciário, devem
ser combatidos”, enfatizou Bachelet.
Conforme
estudos e pesquisas recentes, os negros representam 56% da população brasileira
e também são os que mais morrem, ganham menos e sofrem mais com o desemprego no
país. Segundo dados do Atlas da Violência 2020, 75% das vítimas de homicídios
no Brasil em 2018 eram negras.
A taxa de
homicídios de negros no país subiu de 34 assassinatos por 100 mil habitantes,
em 2008, para 37,8, em 2018, um aumento de 11,5% na década, enquanto o número
de assassinatos entre não negros caiu 12,9% no mesmo período.
E, mais
preocupante ainda, já em 2020, os dados apontam para uma nova e acentuada
crescente de mortes violentas na população negra, mesmo depois do início da
pandemia da Covid-19.
E, em
óbvio e gritante destaque, nos mais diversos estudos sobre o tema, uma triste
constatação: Mulheres negras morrem mais.
Em 2018,
uma mulher foi assassinada no Brasil a cada duas horas, totalizando 4.519
vítimas. Dessas, 68% são mulheres negras. A taxa de homicídios das mulheres
negras é 5,2 para cada 100 mil, muito maior do que o número de 2,8 por 100.000
para não negras.
E, embora
os homicídios de mulheres tenham caído 8,4% entre 2017 e 2018, a situação
melhorou apenas para as mulheres não negras, o que, como aponta o estudo,
mostra ainda mais a desigualdade racial: enquanto a taxa de homicídios de
mulheres não negras caiu 11,7%, a taxa entre as mulheres negras aumentou 12,4%.
Sistema
carcerário - Nas
prisões brasileiras os números não são diferentes e apontam para a mesma
constante. Em 15 anos, a proporção de negros no sistema carcerário cresceu 14%,
enquanto a de brancos diminuiu 19%. Hoje, de cada três presos, dois são negros.
É o que revela o 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado pelo
Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Segundo a
publicação, os 657,8 mil presos em que há a informação da cor/raça disponível,
438,7 mil são negros (ou seja, 66,7% da população carcerária). Os dados são
referentes ao ano de 2019.
Ainda
conforme o Anuário, as prisões no país estão se tornando, ano a ano, espaços
destinados a um perfil populacional cada vez mais homogêneo.
"No
Brasil, se prende cada vez mais, mas, sobretudo, cada vez mais pessoas negras. Existe,
dessa forma, uma forte desigualdade racial no sistema prisional, que pode ser
percebida concretamente na maior severidade de tratamento e sanções punitivas
direcionadas aos negros", conclui a publicação.
Educação
- A pesquisadora Tatiana Dias Silva, autora de estudo sobre ação afirmativa e
população negra na educação superior, publicado em agosto de 2020 pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), enfatiza que em seus estudos
ela identificou que 36% dos jovens brancos com até 25 anos estão estudando ou
terminaram sua graduação. Entre pretos e pardos, esse percentual cai pela
metade: 18%.
Tatiana
Silva contabiliza ainda que, até o ano passado, 22,9% de pessoas brancas com
mais de 25 anos tinham curso superior completo. A proporção de negros com a
mesma escolaridade era de 9,3%.
Ela
verifica também que, em alguns cursos, a presença de negros não chega a 30%. São
os casos de medicina, design gráfico, publicidade e propaganda, relações
internacionais e engenharia química.
Para a pesquisadora,
o primeiro efeito do racismo é limitar conhecimento, diminuir repertórios e
alimentar a exclusão social. "Nossa academia, nossas escolas, nosso olhar
sobre a cultura (ou a hierarquização dela) ainda têm uma visão eurocentrada.
Então, tudo que representa o negro, a cultura negra, não está dentro”,
concluiu.
Discriminação em tempos de peste - Há mais pessoas
brancas que negras vacinadas contra o coronavírus no Brasil. Essa é a conclusão
de um levantamento exclusivo feito pela Agência Pública a partir dos dados de
8,5 milhões de pessoas que receberam a primeira dose das vacinas contra a
covid-19 aprovadas e aplicadas no país.
Apesar de a vacinação no Brasil ter se iniciado com
uma mulher negra há quase dois meses, a enfermeira Mônica Calazans, hoje há
cerca de duas pessoas brancas para cada pessoa negra vacinada.
A desigualdade permanece se considerarmos a divisão
da população brasileira: há menos negros vacinados em relação à quantidade de
brasileiros que se declaram negros quando comparada à população branca que foi
vacinada.
A diferença nos dados de vacinação entre brancos e
negros é ainda mais grave devido à desigualdade da mortalidade pela covid-19 no
Brasil: das pessoas que tiveram a doença no país, há proporcionalmente mais
mortes entre negros que brancos. Além disso, negros são a maioria absoluta
dentre os casos registrados de covid-19 no Brasil e também das mortes.
Estudo
feito por pesquisadores da “PUC-Rio” e divulgado no último dia 27 de maio,
deste ano, evidencia ainda mais essas disparidades. Em termos de óbitos pela
covid-19, pessoas sem escolaridade têm taxas três vezes maiores (71,3%) em
relação àqueles com nível superior (22,5%).
Combinando
raça e índice de escolaridade, o cenário fica ainda mais desigual: pretos e
partos sem escolaridade morrem quatro vezes mais pelo novo coronavírus do que
brancos com nível superior (80,35% contra 19,65%). Considerando a mesma faixa
de escolaridade, pretos e pardos apresentam proporção de óbitos 37% maior, em
média, do que brancos.
Hoje,
a união do povo negro é urgente e imprescindível para enfrentar o racismo
estrutural enraizado na sociedade brasileira e também contra o retrocesso que
está tomando fôlego na política nacional.
E, uma certeza, todos estes dados acima são como um iceberg.
Muita coisa esta por baixo e não conseguimos olhar.
*Texto
com informações da DW, BBC-Brasil, Anuário Brasileiro de
Segurança Pública, Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea), Agência Pública, Agência Brasil, Atlas da Violência 2020 e Estudos da PUC-Rio.
Fonte: Assessoria de comunicação do PSB-RS