Artigo: Desigualdades regionais avaliadas numa perspectiva ambiental

02/09/2020 (Atualizado em 02/09/2020 | 14:33)

No Brasil, as desigualdades sociais e econômicas, coincidentes — mas não necessariamente associadas — com as diferenças ambientais, aparecem num âmbito regional (nordeste/sudeste). E mesmo que esta distância tenha diminuído, por conta de políticas especiais do Governo Federal, até então mais efetivas, no ataque a miséria extrema e atender as classes menos favorecidas, particularmente onde a renda é mais baixa e as condições de vida mais precárias, a vulnerabilidade se mantém elevada e o acesso aos recursos muito difícil. Dificuldades que foram severamente acentuadas pela pandemia que nos atingiu e que serão multiplicadas no pós-pandemia, onde os milhões de brasileiros, já identificados, a margem da renda, engrossarão o bolsão de miséria persistente no país.
A pobreza regional, de forma espacialmente mais restrita — de parcelas do território com pronunciadas desigualdades —, já eram identificáveis, mesmo que em dimensões variáveis, onde predomina o fraco desempenho da economia e indesejáveis indicadores de qualidade de vida, inclusive dentro de Unidades Federativas com elevados índices de desempenho econômico e atendimento social. É o caso do Vale do Jequitinhonha (MG), do Vale do Ribeira (SP) e no Rio Grande do Sul (RS), na chamada metade Sul, que ainda revela uma nítida desvantagem, quando comparada à metade Norte, diante dos indicadores de prosperidade. Desigualdades que vêm sendo, desde há muito tempo, motivo de preocupação por parte das forças vivas do território sul-rio-grandense, que buscam, sem muito sucesso, meios e formas capazes de diminuir essas diferenças.
Ações e propostas que agora terão de ser revistos, isto é, para que as diferenças regionais sejam realmente diminuídas e o desejo de sustentabilidade alcançado, nos seus vários componentes, os meios propostos devem partir do conhecimento das causas promotoras dessas diferenças. Portanto, para além do momento de recessão, imposto pela pandemia, as diferenças regionais de desigualdade devem ser avaliadas dentro de um contexto integrado, de modo que permitam oferecer argumentos válidos para explicar tais desigualdades e contribuir no processo político-administrativo da tomada de decisões, o que inclui as características do ambiente e a oferta de recursos naturais.
As diferenças ambientais entre o Norte e o Sul, por exemplo, não são tão sutis e talvez até sejam determinantes no modelo econômico a ser desenhado ou promovido para cada uma dessas regiões. Em termos geológicos compreendem diferentes litologias, também variações no padrão do relevo, que em consequência traduzem tipologias de solos variadas, que se mostram mais profundos, desenvolvidos e férteis no Norte, enquanto no Sul mais rasos e restritivos ao uso pleno. De outra parte, a cobertura vegetal apresenta-se com grande diversidade de fisionomias, afinal o ambiente físico exerce forte controle sobre as variáveis biológicas do sistema. Então, enquanto por lá ocorre florestas e campos de altitude, por aqui (no Sul), ajustada a heterogeneidade física dos terrenos, a diversidade da cobertura vegetal apresenta formações pioneiras no litoral, florestas e mosaicos de campos-e-florestas na Serra do Sudeste e campos limpos na Campanha, o nosso tipo ambiental mais ameaçado e fortemente substituído pelos cultivos de soja.
Sem dúvida, os recursos disponíveis no Norte não correspondem ao encontrados no Sul, que numa perspectiva ecológica de sistemas, não são só diversos, mas também mais abundantes. E se lá a lógica do cultivo extensivo do solo é uma prática que prospera, aqui as diversidades de condições dos terrenos impõem uma série de limitações ao uso intensivo, porém uma enorme coleção de possibilidades, para outras formas de uso. Na prática, o conjunto de características ambientais reunidas no Sul traduz o potencial dos nossos terrenos, que vão além do tradicional cultivo e criação. Temos serviços ambientais disponíveis de outra ordem, alguns ainda pouco aproveitados, como a hidrovia, que poderia nos colocar no centro logístico do transporte de carga e mercadorias do país, numa conexão (por trilhos e por águas) capaz de ligar o litoral de Santos (SP) ao porto de Montevidéu, no Uruguai. Também, o nosso potencial eólico para a geração de energia e a nossa forte vocação para a conservação, com extensas áreas de campo nativo, nas quais podemos estimular a produção de carne ecológica e nas áreas de cultivo a produção de soja orgânica, ambos valorizados no mercado internacional estabelecido.
Obviamente, para além das diferenças impostas pelo ambiente, existem diferenças colocadas pela cultura de ocupação e uso destes recursos. E dessa forma, a problemática das diferenças ambientais, das desigualdades sociais e econômicas, bem como das distintas influências histórico-culturais, que se mostram, nos diversos setores do espaço gaúcho, deve ser dada a conhecer, nos seus componentes naturais, manufaturados e culturais, que vistos de forma integrada denuncia o forte relacionamento existente entre o ambiente e o sucesso econômico de uma região. Então, precisamos aprender a tirar o melhor proveito possível do potencial econômico que a nossa região oferece. É um erro permanecer esperando que o desenvolvimento, simplesmente, nos alcance. Devemos nos mobilizar em nome de um novo tempo, de um Governo que deve se mostrar mais atento às nossas diferenças e vocações, para que a metade Sul se transforme no novo destino do investimento. Olhar para as diferenças e para as potencialidades que temos, quem sabe, pode ser a saída, frente as dificuldades que já enfrentamos, neste momento que vai nos exigir novas iniciativas de desenvolvimento econômico.

Professor Marcelo Dutra da Silva
Membro do PSB de Pelotas
Ecólogo – Doutor em Ciências
Instituto de Oceanografia - Universidade Federal do Rio Grande

Fonte: